Rui Vitória. "Não cheguei aqui por gostarem dos meus olhos"

Rui Vitória. "Não cheguei aqui por gostarem dos meus olhos"

De jogador a treinador em apenas uma semana. Pode parecer a sinopse de um qualquer documentário sobre uma história de sucesso, mas é a realidade de Rui Vitória, o treinador do Paços de Ferreira, que hoje pode alcançar a primeira final da Taça da Liga para os castores. "Terminei a carreira de jogador no Alcochetense, numa segunda-feira, e na terça da semana seguinte estava a treinar o Vilafranquense, na 2.a divisão", contou ao i Rui Vitória. Ao contrário de muitos, não aponta Mourinho ou Ferguson como referências, diz apenas que é "um autodidacta" e tenta aprender com os técnicos que teve enquanto futebolista, destacando Mário Wilson.

Começou aos nove anos, no Alverca, da sua terra natal, e jogou até aos 32. Agora, com 40 anos, tem recebido muitos elogios pelo bom futebol que o Paços pratica, mas não altera o discurso humilde. "Não cheguei aqui por alguém ter gostado dos meus olhos. Há um grande trabalho por trás que dá consistência. Por isso chegámos há pouco tempo [ao Paços] e parece que estamos aqui há anos", afirmou. Fala no plural, pois divide os méritos com a sua equipa técnica. O trabalho que refere foram os anos de treinador em escalões mais baixos, no Vilafranquense e no Fátima, ou os juniores do Benfica, que lhe deram uma base para ter êxito na Liga.

Apesar de ser um treinador jovem, Rui Vitória não é fanático das novas tecnologias. "São fundamentais para o nosso trabalho mas não podem ser o principal suporte. Utilizo q.b., nomeadamente na visualização de vídeos dos adversários, de análise ao nosso rendimento nos jogos e na compilação de dados estatísticos da equipa", explicou. Recentemente usou até um excerto do programa de televisão "Liga dos Últimos", onde aparecem muitos dos cromos do nosso futebol - sejam eles jogadores, dirigentes ou adeptos -, para motivar a equipa. Como? "Para nós qualquer situação banal pode servir de motivação. Serviu para alertar para o prazer da nossa profissão." E pouco mais disse, pois o futebol também é feito de segredos. "Às vezes até uma frase lida no dia anterior, numa revista de social, pode servir para esse propósito", acrescentou. Espera-se que não daquelas profundas como "estar vivo é o contrário de estar morto", dizemos nós. Mas, tal como Guardiola, o treinador pacense admite mostrar excertos de filmes aos jogadores.

O PROFESSOR Desde jovem que se habituou a ter pouco tempo livre. Ao mesmo tempo que jogava, Rui Vitória frequentava a licenciatura em Educação Física e ainda leccionava. "Na altura havia poucos professores nessa área e convidaram-me para dar aulas, algo que faço desde os 19 anos", explicou. O treinador pacense pertence aos quadros da Escola Secundária Gago Coutinho, em Alverca, e só este ano lectivo é que suspendeu a actividade, devido ao trabalho, mais mediático, em Paços de Ferreira. Aos 23 anos, ainda teve uma curta experiência de treinador, nas escolas e nos infantis do Vilafranquense. O bichinho deve ter ficado, pois não hesitou em seguir esta carreira.

É BARATO, DÁ MILHÕES "Devemos ser o segundo plantel mais barato da Liga. O orçamento rondou os 2 milhões e 200 mil euros, e nunca poderemos pensar em muito mais do que isto", afirmou recentemente Carlos Barbosa, presidente do Paços. É com estes números que a equipa atingiu, para já, a meia-final da Taça da Liga (contra o Nacional) e tem apenas menos um ponto que o Sporting no campeonato, a nove jornadas do fim. Só em reforços os leões gastaram o triplo desta verba, e com salários o orçamento fica muito longe dos valores apresentados pelos castores. "Quando começamos a época temos sempre um ideal, que é ganhar o maior número de jogos. Se me dissessem no início que agora estaríamos aqui, teria respondido que era muito difícil", confessou Rui Vitória. É "realista" e por isso não quer sonhar em ganhar a Taça da Liga se "não vencer amanhã [hoje] o Nacional".

Sobre o campeonato, confessa que não fez "planos sobre a classificação". "O objectivo era deixar duas equipas atrás de nós", assegurou. Mas neste momento o Paços de Ferreira está em quarto lugar, a morder os calcanhares ao Sporting, com... 12 clubes por baixo na classificação. Algo que nem os mais optimistas deviam esperar, pois o clube não se inscreveu nas competições europeias, em Dezembro, para poupar 2500 euros. "Se isso acontecer [lugar de acesso à Liga Europa], logo analisaremos", concluiu o treinador. Por enquanto, quer apenas sonhar com a vitória, hoje, na Choupana.